Beijar a flor e provar o fel... ou o mel.

Estava no meu quarto quando escutei o murmuro de dó vindo lá da cozinha:
- Aaaaw, um beija-flor.
Era minha mãe pontuando aquele hóspede inesperado no nosso apartamento, inesperado e desesperado, vale salientar. O pobre pássaro estava em uma agonia de dar dó mesmo, se debatendo em meio a luminária, desesperado para sair dali e acuado demais para fazê-lo, começou então a operação resgate daquele serzinho para que ele voltasse a beijar suas flores lá em baixo, no jardim, imaculado, inteiro, sem machucados... Mas como lidar com uma criatura tão miúda e tão aparentemente frágil? O mundo é demasiado bruto e grande para algo tão delicado, ainda assim ele existe e estava ali com o destino na mão desse mesmo mundo.

Bolei planos com minha mãe para podermos capturá-lo sem causar-lhe nenhum dano e começou aquele corre, sobe, desce, pega, larga, voa, cai no meio da nossa cozinha... O beija-flor parecia não entender que não estávamos tentando lhe fazer mal, e nem poderia, quantas pessoas realmente gostariam de capturá-lo para realmente soltá-lo? Difícil supor, melhor não arriscar. Ele gastou toda a energia que tinha e que não tinha para se livrar "das garras dos seus predadores" e depois de muito - muito mesmo - lutar, se rendeu por fim... 

Pobre beija-flor, vencido, detido em um pano como um pedaço de qualquer coisa, acuado, já imaginando morrer, ou pior, morrer em vida; eis que descobriu o lado bonito do mundo, pois seus caçadores eram na verdade protetores e tudo que lhe queriam oferecer era algo mais digno que uma luminária velha, na verdade, um mundo, um horizonte... Poderia supor isso senhor beija-flor? Nem eu. 

...É que as vezes a gente tá tão acostumado a ser beija-flor fugindo de predador que esquece que além do que os olhos vêem e as circunstâncias mostram, existe um mundo de possibilidades e por incrível que pareça, uma porcentagem considerável de possibilidades boas, pois mesmo em minoria, ainda conseguem dar fé e ofuscar pouco a pouco o mal do mundo.

O desfecho da história é que o beija-flor foi colocado em lugar seguro e deixado a "própria sorte" lá, de início ficou apático como que ainda se conscientizando que sua derrota foi na verdade uma vitória bem maior, imprevista e destinada ao mesmo tempo, depois alçou voô entendendo o quão maravilhosamente privilegiado ele é, só por ser tão belo, 'só' por poder voar, só por ter querido e lutado tanto para sobreviver... Aliás, ele até pode morrer daqui a um minuto, ou viver a vida inteira, mas na pior das hipóteses,  por um minúsculo fascículo de tempo, descobriu que vale a pena morrer se for tentando acreditar que dá para viver melhor - com coisas, pessoas e com o mundo, lutando por aquilo que acredita e recebendo de volta tudo que semeia com tanta luta e com tanta fé.

Comentários

  1. Que Belo...que frágil... que forte....que sorte do beija-flor por ter conhecido Jéssica...

    ResponderExcluir
  2. Ow Cida, você é uma querida, muito sábia, determinada, merecedora e também me sinto muito honrada por tê-la conhecido. Obrigado. :)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Nosso visto K1,

Fazer do que foi feito.