Pra cada mal existe o bem.

Como a maioria sabe, trabalho com cachorros.

Tenho frequentemente em minha casa varios deles, de varias idades, tamanhos e personalidades. Alguns sao realmente muito tranquilos e a vizinhanca so sabe que eles estao la porque passeamos no final da tarde e os vizinhos os veem. Outros, por sua vez, latem, correm, brincam, tentam pular nas pessoas pra cumprimenta-las quando estamos na rua e nao é dificil, principalmente para os vizinhos que sao colados a minha casa, saberem que eles estao hospedados comigo. De todo modo, a um ano sendo dog sitter, TODOS os meus hospedes, incluindo meus dois proprios animais de estimacao, tem uma caracteristica em comum: sao sociaveis e amigaveis. Por questao de seguranca, minha, dos demais clientes e das pessoas, a regra é clara: So aceitamos cachorros sem historico nenhum de agressividade e, ainda assim, apos um primeiro encontro para comprovarmos pessoalmente que eles irao funcionar bem com os demais.

Nunca havia tido problema nenhum por causa deles... ate pouco tempo atras: Estava pegando uma coisa no meu carro durante a noite, e como sempre fiz, ja que todos os vizinhos e cachorros da vizinhanca conhecem e se dao bem com os meus, deixei que Sonny e Lua ficassem soltos perto de mim, inclusive, para o caso de se alguem se aproximar (na rua escura, com o carro aberto) eles poderem me alertar. Vi um cara vindo em nossa direcao na calcada, mas continuei fazendo o que estava fazendo, acontece que, por causa do escuro, nao percebi que esse dito cujo - um vizinho novo, que havia se mudado a uns dois meses atras - vinha com um pastor alemao preto. Quando vi meus cachorros correndo em direcao a ele foi que notei o que estava acontecendo. Corri pra segura-los antes deles conseguirem chegar ate o cara, mas nao deu tempo e no que Sonny e Lua se aproximaram, o vizinho e cachorro dele entraram em parafuso.

- Segura esses bichos. Eles sao perigoso. Podem atacar. Podem machucar alguma crianca. Voce tem cachorros anti-sociais. - Ia berrando enquanto tentava segurar o cachorro dele (que nao era um poco de manseutude tambem) e eu ja segurando os meus, tentava explicar que nao, eles nao eram agressivos, so estavam tentando cumprimenta-lo como faziam com todos os outros e outras pessoas do bairro, mas por causa da reacao dele estavam assustados e comecaram a latir (vale salientar que, mesmo sem coleira para segura-los e com a oportunidade de atacar o pastor alemao, Sonny e Lua nao encostaram nem nele e nem no dono, so latiram me alertando).

Resumo, o cara saiu xingando para um lado, eu pedindo desculpa para o outro (embora nao sejam agressivos, eu sei que eu estava errada em deixa-los soltos na rua e por isso me desculpei), so que, quando eu ia entrando em casa o cara me solta: Na proxima vez que eu vi esses cachorros soltos, eu vou denuncia-los por agressividade.

Aquilo mexeu comigo de uma maneira que entrei em casa transtornada. A regra dos Estados Unidos é bem rigida para casos assim, se a denuncia fosse feita, por estarem soltos e sendo denunciados por agressividade, nao tem choro, testemunha ou burocracia no mundo que resolva, meus animais seriam eutanaziados. Como alguem poderia fazer isso so de pirraca (visto que nao sofreu nenhum tipo de ataque ou ferimento)? Como alguem pode considerar mandar matar dois cachorros pelo simples fato deles terem latido?

Passei a semana mal com o corrido, obviamente, nao deixei mais que Sonny e Lua ficassem fora da coleira na rua nem por um segundo, e toda vez que vejo o pastor alemao com o dono, mudo a direcao do meu percurso pra evitar qualquer tipo de outro mal entendido. Mas, como para cada injustica dessa vida existe uma reparacao, ontem, voltando pra casa da nossa caminhada, fui parada pela minha vizinha da casa ao lado:

- Oi, tudo bom? Fulana entrou em contato com voce?

- Sim, essa pessoa entrou em contato comigo pra eu poder hospedar o cachorro dela por alguns dias.

- Ah, que otimo que ela conseguiu vaga. Fui eu que te indiquei.

- Hum, entao foi voce? Ela me disse que tinha sido alguem da vizinhanca, mas nao achei que fosse voce.

- Fui eu sim. Eu sempre te indico. Digo pra todo mundo que voce é otima, que cuida desses cachorros melhor que qualquer pessoa e que Sonny e Lua sao uns amores

- Sério? Muito obrigado mesmo.

A conversa continuou por alguns minutos e eu ja fui comecando a ficar emocionada com o suporte que ela estava me dando. Foi revigorante perceber que ela que deveria estar mais incomodada com os latidos e preocupada com as criancas (ela tem tres filhos, sendo um deles um bebe de menos de um ano), visto que costumo hospedar cachorros de grande porte tambem, me apoia, me indica, gosta do meu trabalho e nao se sente invadida ou em perigo em momento nenhum. Lembrei inclusive que uma antiga cliente (tambem da vizinhanca), ja havia me perguntado se meus vizinhos do lado nao se incomodavam com tantos cachorros na minha casa, e que, na epoca, a unica resposta que eu pude dar foi que, embora eu nao tivesse certeza, eles pelo menos nunca haviam reclamado de nada. Pois bem, a minha resposta e a minha certeza estavam ali naquela moca segurando uma crianca no colo, outra pela mao e com seu pequeno e idoso pug brincando com Sonny e Lua enquanto nos duas conversavamos: Quando se faz o bem e se faz bem, sempre havera, para qualquer mal, o bem!