O lugar para correr.
Eu tinha 14 anos, talvez menos.
Os hormonios borbulhavam num temperamento que sempre foi questionador e o lugar que deveria ser meu refugio e a minha paz, tinha se tornado meu tormento. Era briga, discussao e exigencias o tempo todo. Era atrito, era convivencia forcada e um dia me peguei fugindo de la. Corri dali como uma insana. Descalca, descabelada, com a roupa que estava no corpo e nada mais. Corri sem rumo, sem certeza nenhuma de onde pararia. Corri e cheguei (por acaso?) a casa de uma parente. Molhada de suor, lagrimas e chuva. Exausta, entalada... Fui recebida e acolhida, mas no fundo sabia que nao era para estar ali entulhando os outros com os meus problemas. Descobri portanto, naquele dia, que a gente sempre precisa de um lugar para correr. Um lugar para restaurar a paz, a sanidade, a respiracao. Um lugar que seja nosso, so nosso.
Diferente de casa, diferente de familia, diferente de lar. Esse lugar tambem è abrigo, mas è abrigo particular. E nao precisa ser fisico, nao precisa de tetos ou paredes, so de seguranca e protecao.
Na minha cidade Natal, esse lugar sempre foi o mar. Nos meus dias ou noites de crise, de respiracao presa, de alma pertubada, corria para la. Mergulhava se fosse preciso. Gritava la dentro, chorava o que tivesse para chorar e me renovava a cada barulho de onda e vento que me acolhiam. O mar me abracava e eu sentia isso. Era la que eu conseguia apagar o mundo. Era la que eu deixava energias ruins e as substituia por paz e me sentia pronta para recomecar, onde, com quem ou contra o que quer que fosse. O mar foi abrigo das minhas maiores magoas e bencao para minhas maiores alegrias. O mar, tao imenso, tao infinito, era meu e eu era dele. E la era o meu lugar.
Quando me mudei, sabia que viria para um lugar onde nao teria mar acessivel sempre que eu precisasse, mas mais que isso, eu sabia que precisava achar um outro lugar para ser o meu lugar. Escolhi (ou fui escolhido por) um lago e corri varias vezes para la quando precisei. O lago nunca foi mar, mas a sensacao era a mesma. Chegava chorando, saia respirando. Curava saudade, maldade, vaidade. Recuperava a sanidade para recomecar. E esse lago, assim como o mar, foi meu companheiro, foi meu lugar.
Numa terceira mudanca ficou o lago e ainda nao tinha o mar. Descobri a ilha. Um pedacinho de terra, separado do mundo por um riachinho. Nada especial para quem passa por ela, mas tudo de melhor que eu podia encontrar. A ilha fica bem ali, tao perto de tudo e tao longe de todos. A ilha me separa do mundo na medida certa que eu preciso para poder ter calmaria, ter vitalidade e forca para continuar. A ilha nao fica no mar, nem no meu lago, mas arrisco dizer que ela tem me ensinado tanto quanto eles, e sido importante na mesma proporcao. A ilha me faz enxergar que o "lugar para correr" nunca foi palpavel e ainda assim sempre sera indispensavel.
O lugar para correr ta mais dentro da gente do que la fora no mundo e a vontade real de se acalmar e de ter paz independem de onde estaremos geograficamente localizados, ainda assim, se me permite o bom conselho: tenha sempre seu lugar para correr e corra para la quantas vezes seu coracao e sua alma te pedirem.
"Cause they say home is where your heart is set in stone. Is where you go when you're alone. Is where you go to rest your bones." Home - Gabrielle Aplin
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